Não descriminem os cús do pão

Temos bem noção que Portugal não é propriamente o país mais moderno do mundo em termos de mentalidade, apesar de gradualmente ir dando passos muito importantes em direcção à liberdade de expressão e de direitos de igualdade. Esse é um caminho interminável, porque o mundo está constantemente em mudança. No entanto, por mais conservadora que qualquer sociedade seja, há problemas estruturais de mentalidade que corrompem a malha social e que devem ser urgentemente corrigidos a fim de parar qualquer tipo de injustiça e discriminação. É disso que vou falar hoje. De um problema estrutural na mentalidade dos portugueses.

Apesar de não ouvirmos frequentemente falar de casos graves de racismo ou de humilhação de minorias, segregação de homossexuais, etc., sem dúvida que concordam que um dos grandes problemas de Portugal é o atraso no que diz respeito à forma como tratamos certos alimentos. Há alimentos que nos acompanham todos os dias, e mesmo assim são vilipendiados de maneira brutal. Um desses casos sociais é a discriminação dos cús do pão. Sim, eu uso a palavra cú porque sou uma pessoa moderna e chamo as coisas pelos nomes sem medo. E porque também acho engraçado o constrangimento alheio causado por dizer bem alto numa repartição de finanças “Qual é que é a bicha?”.

Voltando ao pão, há de facto muitas pessoas que compram pães caseiros ou pães de forma, enfim, pães com cú, e discriminam as suas extremidades. Deixam os cús do pão para o fim, muitas vezes deixando-os a definhar e apodrecer no saquinho ou dentro daquela espécie de caixa do pão que parece a caixa de pagamento nocturno das bombas de gasolina. Isto é muito grave. O pão é um dos alimentos básicos não deixando de ser complexo no seu todo. É um dos alimentos confeccionados mais antigos do mundo, usado há séculos e séculos pela humanidade, e mesmo assim ainda colocamos cruelmente de parte as suas extremidades. Aposto que o Jesus na última ceia quando partiu o pão, lhe tirou o cú. Se calhar foi por isso que o prenderam e executaram. Toda a gente sabe que os romanos davam ao povo pão e circo, não era pão sem cú e circo. E os romanos levavam bem a sério a lei, por isso não me admirava nada que já andassem de olho nele desde o milagre dos pães. 

Dois cús do pão a mendigar numa esquina

Muitas pessoas dão a desculpa de que o cú do pão é  demasiado rijo e pequeno para o conduto, sendo que depois vão comprar tostinhas para receber convidados, que é pão rijo e pequeno. As tostinhas são um flagelo que humilha ainda mais o cú do pão. Quando se podia fazer justiça e, no mínimo, aproveitar os cús do pão para entradas, e dar-lhes a oportunidade de brilharem naqueles jantares mais especiais, eis que se inventa uma espécie de mini pão de forma torrado e fatiado para esse fim, onde, e reparem, não estão presentes os cús. Se a ONU não anda de olho nisto, então não sei para que é que eles servem.

Há outro exemplo flagrante da discriminação de extremidades de certos alimentos, nomeadamente no âmbito das pizzas, que são, como sabem, uma espécie de primas ricas do pão. Também nas pizzas, há pessoas que não comem a extremidade e deixam de lado a borda da pizza. Ora, a borda da pizza é o quê? É pão, porque já se comeu o resto. Mais uma vez, voltamos ao mesmo. Existe uma cabala contra o pão. 

Este triste facto social tem de ser combatido e por isso, proponho aqui  a criação de um movimento nacional que apelidei de ‘Luta contra a discriminação de certos alimentos’. A primeira campanha vai-se focar no cú do pão, que é o caso mais flagrante da sociedade portuguesa, sendo que a palavra de ordem da campanha será “Unidos contra a discriminação, comam também os cús do pão”. Eu sei que é um slogan muito grande para os cartazes, mas assim sendo, também os cartazes terão de ser maiores o que poderá levar a uma visibilidade do movimento bastante mais ampla. 

Deixo este apelo à consideração das pessoas, reflitam nisto que se anda a passar um pouco por todos os lares portugueses que é um escândalo e uma vergonha para um país que se quer assumir como moderno e liberal. Para uma próxima edição do movimento ‘Luta contra a discriminação de certos alimentos’, falaremos da discriminação racial das bananas com pintas pretas.