Este gajo não desiste

Como é que é leitores??!! Que é como quem diz “Olá mãe!” E se calhar aquelas duas senhoras que me vilipendiaram no artigo sobre os rótulos de vinho (eu sei que no fundo vocês até vêm cá ver isto. Obrigado sou eu!).

Então estivemos fechados não é verdade?! Pois é. Fechados para férias, isso é que foi! – dizem vocês (mãe). Bem, isto dá algum trabalho, mas não me dá trabalho que dê retorno , por isso também não é correcto chamar férias. Estão a ver, isto sai-me do pêlo por amor à camisola e a vocês, meus fiéis leitores e fãs

(novamente, obrigado mãe e senhoras que me mandam e-mails feios). E ainda se queixam… Ninguém se queixou, é só uma coisa que se diz.

Bem no meu caso, estivemos fechados para doença. Cancrozinho não é verdade. Coisa pouca. Vamos falar disso um bocadinho? Vamos lá. (Dramatizar desdramatizando o quê?)

Não pensem que isto vai ser um texto engraçado. Bem, se lêem este blog já deviam estar a contar com isso ora, não há aqui nenhum conteúdo engraçado. Mas que há parvoíce, ah lá isso há sim senhor! Consequentemente, isto vai ser tipo relato de senhora que vai às manhãs da TVI falar com o Goucha sobre as suas desgraças, só que em parvo. Em mais parvo, desculpem.

Como é que descobri? Sem querer. Fui ao médico pedir análises porque nasci só com um rim e de vez em quando tenho de andar de olho. Conversa puxa conversa, quando demos conta estávamos aos apalpões. Os médicos cá são mais atrevidos.

O diagnóstico demorou alguns exames, mas a conversa final em que me disseram “O senhor tem o câncaro, desculpe lá o inconveniente” chegou por fim. Fiz uma ecografia e enquanto a fazia, a médica chamou outra médica para olhar. Fizeram aquela cara que as pessoas fazem quando os filhos fazem um desenho muita feio mas tem que se dizer que é bonito na mesma. Depois disseram “Olhe, vimos só aqui uma coisinha de nada por isso vou mandá-lo falar com um médico na ala da oncologia.” Ora, quem percebe um bocadinho do senso comum da medicina mais básica sabe que, em princípio, “coisinha de nada” e “oncologia” são duas palavras que ligam bastante bem. De maneira que não liguei.

Fui lá, e estão dois médicos à minha espera para falar comigo. Devo avisar que esta parte se reveste de alguma comicidade tragédia.

Primeiro não havia gabinete disponível para falarem comigo. Pediram desculpa. Estava eu e outro senhor na sala de espera e eles pediram ao outro senhor para ele sair porque tinhamos de usar a sala. Ele acatou. Há pessoas que facilmente acatam. Eu não sei se acataria. O verbo acatar devia ser usado mais vezes. A porta fecha-se. Um dos médicos pergunta se me pode examinar. Eu concedo obviamente. Ah! aqui dá jeito revelar que era cancro testicular que em linguagem médica, é aquele nos tomates. Só num deles.doctor-surprised Deus existe porra. Eu pensei “Bom, se é para me mexerem na salada, vamos lá embora filho”. Vou baixando as calças e o outro médico diz para parar porque a porta tem janelas. Têm que ser tapadas então, diz o primeiro. O segundo médico pede que eu lhe empreste o meu casaco comprido para ele tapar as janelas. Eu concedo novamente. O cascaco só tapa uma. Ele estica. Não me rasgue as costuras disso! penso eu. Do casaco. E dos tomates também, penso um milésimo de segundo a seguir, que o outro já lá andava a torcer. O médico que segura o meu casaco tenta tapar duas janelas opostas com o mesmo trapo e ao mesmo tempo segurar a porta para ninguém entrar enquanto espreita para tentar também ver alguma coisa do que se passa no meu baixo ventre. Não o culpo por tentar espreitar. Uma pessoa ao fim de 28 anos habitua-se à fama. Entretanto parte do staff bate à porta e diz “Então? Vamos almoçar ou quê? Que é que se passa aí?” Tentam espreitar. O médico que segura o meu casaco parecia como que tourear os olhares curiosos com o meu casaco. O outro médico estava de joelhos qual matador. Eu era o boi pois. Estava ali uma tourada das antigas. As pessoas do lado de fora vão-se embora, acaba o exame (na escola dizia-se apalpões) eu visto-me, e devolvem-me a cortina o casaco. O médico que me examinou passa a explicar que tenho cancro e que me vão ficar com um guelas. O outro dizia “Lamento muito senhor” incessantemente. Mandam-me embora e aguardar telefonemas.

E lá fui. Foi tudo muito rápido, em duas semanas estava a ser operado. Isto levou-me uma peça mas não me posso queixar. Tanta gente a querer perder peso com esforço e ginásio e a levantar pneus e eu pimba, vou à faca e extraio orgãos. Aqui não se brinca em serviço meus amigos. É para aliviar carga, vamos embora. Só espero não ficar côxo, porque assim sendo já me faltam dois orgãos do lado direito e estou com receio de começar a pender para a esquerda (isto não é um comentário político subliminar).

A seguir vieram uns meses de quimioterapia que também foi uma experiência inolvidável. Aquilo dá muita anemia pelo que pude experimentar um bocadinho do que é ser velho que era um sonho antigo que eu tinha. Não é assim tão giro ser velho com aspecto de jovem, as pessoas não aderem ao movimento. Ou neste caso, à falta de movimento. Também experimentei o que é a vida de uma modelo. Aviso já que passar fome, vomitar e ter silicone não é aquele mar de rosas e glamour que as pessoas dizem que é. Manter esta beleza exige esforço… e não falecer também é importante.

Também tive direito a um cartão que me dava prioridade em qualquer fila das urgências. Era tipo aquele cartão do monopólio de “vá directamenre para a casa partida e  receba dois contos”. Eu ainda vou pelos contos. Asseguro que o cartão não funciona na fila do peixe. Porque cá não há peixe! Ia lá agora eu tentar usar isto… fora do âmbito… do coiso… não…sorte monopolio

Entretanto, o mês passado fui considerado “curado”, que é coisa para ser controlada durante uns anos mas que por agora está safo. Perdeu-se em comicidade no mundo da internet através deste blog – ganhou-se no que diz respeito à percentagem de bolas de borracha no corpo deste menino.

E pronto, foi esta a minha vida durante uns meses. Por isso é que nunca mais escrevi… Isso, culpa o cancro. É mentira: metade do tempo foi preguiça; o resto sim, foi a doença que me debilitou de tal forma que eu só conseguia usar o computador para jogar jogos e ver filmes caseiros de hollywood consagrados e bons. Vamos a ver, em princípio isto agora volta ao activo para mal de muita gente que achava que eu tinha parado com isto. Nem o cancro me pára, amores. Agora é que está tudo lixado.

Nota: Agora a sério. Há um estigma ou tabú um bocado parvo sobre o cancro do testículo em Portugal. Moços, examinem-se, apalpem-se, toquem-se no banho, mas vejam isso com atenção. Quanto mais cedo melhor. Não cheguem ao nível dois como eu, e muito menos ao três. Ao boss do último nível é muito mais díficil de ganhar.

 

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